A Lei Maria da Penha completa 19 anos nesta quinta-feira (7), em um cenário preocupante: o número de feminicídios e tentativas de assassinato contra mulheres continua crescendo no Brasil. Os dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam uma realidade alarmante, marcada pela violência doméstica e falhas na proteção das vítimas.
Feminicídios e tentativas aumentam, apesar da legislação exemplar
Segundo o anuário, são registrados quatro feminicídios e mais de dez tentativas de homicídio por dia. Em 80% dos casos, o agressor era companheiro ou ex-companheiro da vítima. Os números escancaram um paradoxo: embora o Brasil possua uma das legislações mais avançadas no combate à violência contra a mulher, o sistema ainda falha na proteção efetiva.
Um dado inédito e simbólico divulgado no relatório mostra que 121 mulheres foram assassinadas mesmo estando sob medida protetiva de urgência nos últimos dois anos. Ao todo, das 555 mil medidas protetivas concedidas em 2024, pelo menos 101.656 foram descumpridas pelos agressores.
Medidas protetivas ainda não garantem segurança
De acordo com a pesquisadora Isabella Matosinhos, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as medidas protetivas previstas pela Lei Maria da Penha têm potencial para salvar vidas, mas ainda enfrentam limitações graves de efetividade.
“O desafio é olhar para os casos em que a medida é descumprida, em que não consegue evitar a violência. As políticas públicas precisam reagir a essas falhas e proteger de fato as mulheres em risco”, afirma Isabella.
Ela também aponta que os dados podem estar subnotificados, já que nem todos os estados enviam informações completas. “A lei, sozinha, não dá conta. É preciso uma rede de atendimento integrada”, alerta.
Rede de proteção ainda é frágil
A atuação em rede, prevista pela própria lei, deve envolver áreas como saúde, assistência social e segurança pública. No entanto, a articulação entre essas esferas ainda é rara, segundo as pesquisadoras.
“É muito difícil que exista o funcionamento integrado dessas redes. As polícias, por exemplo, deveriam fiscalizar mais de perto os agressores para evitar a reincidência da violência”, observa Isabella.
Para a professora Amanda Lagreca, da UFMG, é fundamental que a implementação da lei considere a complexidade da realidade das mulheres brasileiras, especialmente no interior do país, onde o acesso aos serviços de proteção é mais limitado.
Mulheres negras e jovens são as principais vítimas
O anuário aponta que 63,6% das vítimas de feminicídio eram mulheres negras, e 70,5% tinham entre 18 e 44 anos. A maioria dos crimes ocorre dentro de casa e é cometida por homens conhecidos das vítimas.
“Mulheres jovens e negras seguem sendo as mais afetadas. Isso mostra como a violência de gênero também se cruza com desigualdades raciais e sociais”, destaca Isabella.
Lei Maria da Penha é referência internacional
Reconhecida pela ONU como uma das mais importantes do mundo, a Lei Maria da Penha foi fruto da mobilização da sociedade civil e enquadrou a violência contra a mulher como uma violação de direitos humanos.
Ela prevê desde medidas protetivas como restrição de contato até a participação obrigatória do agressor em grupos reflexivos. Recentemente, foi atualizada para incluir a violência psicológica como forma de agressão.
“É uma legislação que olha para a prevenção e para a mudança de comportamento, mas ainda vemos uma tendência de enfrentamento apenas com aumento de penas. Precisamos evoluir na articulação de políticas públicas”, analisa Amanda Lagreca.
Mudança cultural e ações educativas são urgentes
As especialistas defendem que, além da legislação, o combate à violência contra a mulher exige mudança de mentalidade e educação desde a infância. Escolas e espaços educativos precisam ensinar que a sociedade não tolera nenhum tipo de agressão.
“Esse agravamento da violência de gênero é o grande gargalo da democracia brasileira. As mulheres continuam morrendo por serem mulheres”, conclui Amanda.
Como solicitar medidas protetivas
Para solicitar uma medida protetiva, é necessário que haja um histórico de violência, mesmo que ainda não tenha ocorrido uma agressão física. A denúncia pode ser feita presencialmente em delegacias da mulher, por telefone, ou por aplicativos como o “Direitos Humanos Brasil”.