O escritor e poeta Silvério Ribeiro da Costa, falecido na quinta-feira, 8 de fevereiro, era brasileiro naturalizado, tinha 84 anos e foi vítima de complicações decorrentes de AVC que sofreu há dois anos. Nasceu em 18 de novembro de 1939 em Portugal, na pequena aldeia de Valbom, próximo ao Porto, cidade na qual viveu até os 21 anos. Depois de ser destacado para a guerra de Angola, onde atuou como radiotelegrafista, veio para o Brasil em 1963.
Dos 60 anos que Silvério viveu no Brasil, 58 foram em Chapecó, onde exerceu várias atividades e manteve uma coluna em jornais por mais de 25 anos. No Brasil, inicialmente ele fixou residência no Rio de Janeiro. Em 1965, deslocou-se para Chapecó a fim de conhecer Helena Gisi (depois da Costa), a moça com quem se correspondera por quase cinco anos. O encontro, dizia ele, “foi bafejado pela emoção” e assim acabou ficando em Chapecó, casando-se um ano depois. Dessa união, nasceu um filho, Ramiro Antônio da Costa, que é músico clássico e vive em Florianópolis.
Em Portugal, quando atingiu a idade de “servir o Exército”, Silvério foi destacado da cidade do Porto para a capital Lisboa, passando posteriormente por diversos locais do país, até ser mobilizado para combater por 26 meses, entre 1961 e 1963, no que definia como a “famigerada Guerra de Angola, o Vietnam Africano”. Saindo incólume “da carnificina angolana, que tantos milhares de vidas ceifou” – como disse –, veio para o Brasil em busca “de uma vida mais digna, mais humana, já que Portugal, naquela época, não oferecia as mínimas condições de decência para o seu povo”.
Em Chapecó, Silvério exerceu atividades como a de radiotelegrafista do Frigorífico Chapecó, sua ocupação inicial na cidade, formou-se técnico em contabilidade e depois foi professor. Durante quase 10 anos foi gerente do Eston Hotel e após diretor de Turismo na Administração Ledônio Migliorini (1982-1988), relações públicas do Frigorífico Chapecó e presidente do Conselho Municipal de Cultura. Um dos fundadores, também presidiu a Associação Chapecoense de Escritores (Ache), em duas gestões, e foi vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), secção Santa Catarina. Paralelamente às suas atividades durante o período diurno, ficou 32 anos em sala de aula, à noite, para ministrar Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, principalmente no Colégio São Francisco e na Escola Cnec.
A OBRA LITERÁRIA DE SILVÉRIO
Silvério foi autor de 13 livros – de literatura para crianças, romance e poesias –, o último lançado em 9 de maio de 2019, a história infantil “A Folha Vaidosa”. Os outros são: “Retalhos da Existência”, poesia, em 1989; “Retratos”, poesia, em 1991; “Sinfonias do Corpo”, poesia, em 1993; “Percalços da Vida e Outras Chatices Gostosas”, poesia, em 1995; “Fogueiracesa”, poesia, em 1999; “Poemas Líricos e Outros Poemas”, em parceria com Torres Pereira e Agostinho Duarte, em 2000; “Utensíliopoesia”, poesia infantil, em 2000; “As Brincadeiras de Gastão”, prosa infantil, em 2001; “Rapsódia de Espantos”, poesia, em 2005; “O Gato que Sabia Latir”, prosa infantil, em 2006; e “Trilhos Cruzados”, poesia, em 2010; e “Memorial do Medo: Vivências de um Ex-combatente”, seu primeiro romance, em 2013, além da participação em mais de 70 antologias poéticas.
Silvério fez parte de diversas entidades culturais no país e no exterior, entre elas a UBE-SC e a International Writers and Artists Association (Associação Internacional de Escritores), com sede em Ohio, nos Estados Unidos. Teve trabalhos publicados em vários países, traduzidos para o Espanhol, Francês, Inglês, Italiano, Grego, Russo, Chinês e Esperanto.
Conhecido nos meios culturais catarinenses e brasileiros, através dos seus livros e poemas, publicados em revistas e jornais culturais, conquistou inúmeros prêmios em nível estadual, nacional e até internacional. Silvério tinha predileção por temas existencialistas, que se debruçam sobre o homem e o mundo que falam do tempo, da vida, da morte, do nada. Certa vez disse que era uma poesia que reflete e faz refletir: “Eu frente ao outro, abordando as angústias, os conflitos, as contradições, enfim, as incertezas que afligem o ser humano do nosso tempo”.
COLUNA FRONTE CULTURAL
Silvério Ribeiro da Costa manteve por 27 anos uma coluna em jornais de Chapecó. “Fronte Cultural” foi publicada semanalmente de 1992 até janeiro de 2019, em três jornais de Chapecó – Diário da Manhã, Diário do Iguaçu e Sul Brasil – num total de 1.290 edições, o que representa longevidade rara na imprensa brasileira.
Ele lembrava que a data em que saiu o primeiro texto “provavelmente foi em 26 de abril de 1992”. Porém, fazia uma ressalva humorada quanto às datas: “Gostaria de dizer que as datas são confiáveis, mas não 100% verdadeiras”. Especificava que a coluna teve início no Diário da Manhã, onde foi veiculada até 1997. Depois, passou a ser publicada no Diário do Iguaçu, de 18 de novembro de 1977 até 2003. Em seguida, a publicação foi para o jornal Sul Brasil, onde permaneceu de 16 de setembro de 2003 a 10 de janeiro de 2019. Quando resolveu parar, o escritor e poeta fez um balanço das publicações feitas: 232 no Diário da Manhã, 266 no Diário do Iguaçu e 792 no Sul Brasil.
O nome, conforme explicava Silvério, surgiu a partir de algo similar que circulava pelo Brasil, no início dos anos 1990 e que tinha a denominação de Fonte Cultural. “Daí a ideia de algo que está na linha de frente, no fronte, além de ser fonte de cultura.” Os principais temas tratavam normalmente da poesia, publicações de livros e comportamento humano, mas também houve momentos de indignação com a situação e as práticas da política.
Quando derivava dos temas literários para a política, seguidamente o escritor o fazia “sem papas-na-língua”, até com alguns “ditos palavrões”. Mesmo assim, considerava que, em todo o período de veiculação da Fronte Cultural, os dissabores foram poucos. “Restringem-se a algumas discordâncias sobre as minhas análises e explanações feitas a partir dos livros lidos ou da visão sobre o cotidiano, mas isso é lógico e até aceitável”, avaliou ele ao parar.
À mão ou na máquina
Como optou por não ingressar no “mundo do computador”, a produção da coluna sempre foi feita manualmente, na base da caligrafia, pelo recorte de textos e com o uso de uma máquina de escrever Olivetti, modelo Lettera 22. Depois tudo era digitado no próprio jornal, até que iniciou o processo digitalizado e o texto deveria ser entregue em programa digital para diagramação. Silvério teve, então, através dos jornalistas Mariangela Iop de Oliveira e Hugo Paulo Gandolfi de Oliveira, uma oferta voluntária para a digitação prévia de seus textos na Extra Comunica, apoio esse que perdurou por 22 anos.
Toda semana Silvério passou a ir na Extra para tratar do conteúdo. A escrita normalmente era feita por ele à noite, como especificou. “Gosto de escrever à mão, a qualquer hora, desde que surjam as ideias, e transpor à máquina para o papel o horário mais apropriado é à noite.” Depois desse processo, ele ia até a Extra Comunica para entregar o conteúdo a ser digitado e em outro dia voltava para revisar, quando já levava, para que fosse digitado, o texto da semana seguinte.
Essa rotina se manteve pelos 22 anos. Servia, além da revisão do texto, para “tomar um cafezinho”, o que Silvério fazia em um lugar já “quase cativo”, na mesa de reuniões, sério e compenetrado, lembra Cátia Regina Bertoti Dornelles, que nessas mais de duas décadas digitou, uma a uma, aproximadamente 1.100 colunas.