Intoxicações por bebidas adulteradas revelam falhas na fiscalização e falta de consciência coletiva.

O Brasil está bebendo no escuro é o que afirma o Dr João Paulo Mello da Silveira – Médico de família. A cada novo caso de intoxicação por metanol, fica claro que não se trata de um acidente isolado, mas de um problema de saúde pública que se repete por falta de fiscalização, consciência e responsabilidade. O drama é que muitos ainda confundem o envenenamento com uma simples ressaca, enquanto o veneno destrói silenciosamente o corpo. O perigo não está no copo, mas no descuido.
O metanol é um álcool industrial usado em solventes e combustíveis, mas tem sido adicionado de forma ilegal a bebidas destiladas produzidas em destilarias clandestinas. O corpo humano não foi feito para metabolizar essa substância. Quando ingerido, o fígado a transforma em ácido fórmico, composto altamente tóxico que ataca o nervo óptico, o cérebro e o coração. Bastam pequenas doses para provocar cegueira irreversível ou morte.
Ressaca ou intoxicação? Entenda a diferença
A semelhança entre os sintomas de uma ressaca e os de uma intoxicação por metanol é o que torna a situação ainda mais perigosa. Dor de cabeça, náusea e fraqueza confundem o paciente e atrasam o diagnóstico. No entanto, há uma diferença crucial: enquanto a ressaca melhora em até 24 horas, o metanol age em silêncio, destruindo o sistema nervoso de forma progressiva.
Os sintomas que persistem após seis horas — ou que pioram depois de doze — não devem ser ignorados. São o corpo gritando por socorro. O atendimento médico imediato é a única forma de evitar sequelas graves. A população precisa compreender que a intoxicação por metanol não é um exagero midiático, mas uma emergência real que pode estar mais próxima do que se imagina.
Prevenção e responsabilidade compartilhada
A prevenção continua sendo o elo mais frágil. Ainda há quem compre bebidas sem rótulo ou em locais sem registro, acreditando que o risco é mínimo. Nenhuma economia justifica a aposta na própria vida. Beber o que não se conhece é brincar com a tragédia.
O Estado também precisa cumprir seu papel. A fiscalização de bebidas irregulares e o combate às destilarias clandestinas não podem depender apenas da denúncia dos consumidores. A ausência de políticas eficazes transforma o metanol em um assassino invisível — e o descaso, em cúmplice.
Denunciar é salvar vidas
Ainda assim, a denúncia é uma ferramenta de resistência. Ao identificar bebidas suspeitas, o consumidor deve acionar o Procon pelo número 151 ou pelos canais digitais disponíveis. Denunciar não é apenas um ato cívico — é uma forma de salvar vidas.
Segundo o Ministério da Saúde, até 15 de outubro o país contabilizava 41 casos confirmados de intoxicação por metanol. O número pode parecer pequeno, mas revela o fracasso da prevenção e a urgência de medidas efetivas.
Um alerta da linha de frente
Como médico de família, vejo diariamente o impacto do tempo perdido entre o primeiro sintoma e a busca por ajuda. O risco não está apenas nas garrafas ilegais, mas na falsa sensação de segurança de quem acredita que “isso nunca vai acontecer comigo”. A indiferença é o combustível perfeito para o próximo envenenamento.
Por Dr. João Paulo Mello da Silveira
Médico de família da Tempo Med Planos de Saúde