Mexer no celular à noite pode representar mais do que um prejuízo à qualidade do sono. Um estudo preliminar apresentado nas Sessões Científicas de 2025 da American Heart Association (AHA), realizadas entre os dias 7 e 10 de novembro, nos Estados Unidos, encontrou uma associação entre a exposição à luz artificial noturna e o aumento do risco de doenças cardíacas.
A pesquisa analisou o impacto da chamada poluição luminosa noturna, que inclui a luz emitida por celulares, tablets, televisores, iluminação residencial e urbana, sobre alterações no cérebro e nos vasos sanguíneos relacionadas ao risco cardiovascular.
Luz artificial noturna e estresse no organismo
Segundo os pesquisadores, a exposição à luz durante a noite interfere no relógio biológico e pode ativar respostas de estresse no corpo. Diferentemente da luz natural, a iluminação artificial noturna estimula áreas cerebrais ligadas ao estresse, o que pode desencadear inflamação vascular.
“Sabemos que fatores ambientais, como poluição do ar e sonora, podem levar a doenças cardíacas ao afetarem nervos e vasos sanguíneos por meio do estresse. A poluição luminosa é muito comum, mas ainda sabemos pouco sobre como ela afeta o coração”, afirmou Shady Abohashem, chefe de ensaios de imagem cardíaca do Massachusetts General Hospital e professor da Harvard Medical School.
Como o estudo foi conduzido
O estudo avaliou 466 adultos, com idade mediana de 55 anos, sem diagnóstico prévio de doença cardíaca ou câncer ativo. Os participantes passaram por exames de imagem PET/CT entre 2005 e 2008, técnica que permitiu analisar simultaneamente a atividade metabólica relacionada ao estresse no cérebro e a inflamação nas artérias.
A exposição à luz artificial noturna foi estimada a partir de imagens de satélite do Atlas Mundial de Brilho Artificial do Céu Noturno, que mede a luminosidade ao nível do solo nas regiões onde os participantes residiam. O acompanhamento médico se estendeu por até 10 anos, com análise de eventos cardíacos graves registrados em prontuários.
Resultados da pesquisa
Os resultados indicaram uma relação direta entre maior exposição à luz artificial noturna e aumento do risco cardiovascular. Entre os participantes mais expostos, foram observados:
- Maior atividade cerebral associada ao estresse;
- Maior inflamação dos vasos sanguíneos;
- Maior risco de eventos cardíacos graves, como infarto e AVC.
De acordo com os dados, o risco de doenças cardíacas foi cerca de 35% maior em cinco anos e 22% maior em dez anos entre os indivíduos com maior exposição à luz noturna. Mesmo após o ajuste para fatores como hipertensão, colesterol elevado, diabetes, tabagismo, obesidade e ruído do tráfego, a luz artificial continuou aparecendo como fator de risco independente.
O que acontece no corpo
Os pesquisadores explicam que a luz artificial noturna ativa o sistema nervoso simpático, responsável pelas respostas de estresse. Esse processo desencadeia inflamação nos vasos sanguíneos, o que, ao longo do tempo, pode levar ao endurecimento das artérias e aumentar o risco de infarto e derrame.
Para Julio Fernandez-Mendoza, especialista em medicina do sono, os achados ajudam a esclarecer mecanismos já suspeitos. Segundo ele, a exposição excessiva à luz à noite pode afetar diretamente a saúde cardiovascular ao intensificar respostas de estresse no cérebro.
Limitações do estudo
Os autores destacam que o estudo é observacional, o que não permite afirmar uma relação direta de causa e efeito entre a luz noturna e as doenças cardíacas. Além disso, os dados foram coletados em um único sistema hospitalar. A pesquisa ainda precisa ser publicada em revista científica revisada por pares.
Mesmo assim, Abohashem avalia que os resultados já merecem atenção de médicos e gestores públicos, especialmente em estratégias de prevenção e planejamento urbano.
Como reduzir a exposição à luz à noite
Embora não haja comprovação definitiva de causalidade, os pesquisadores indicam medidas simples para reduzir os riscos associados à luz artificial noturna:
- Diminuir a intensidade das luzes dentro de casa à noite;
- Evitar o uso de celular, televisão e tablets antes de dormir;
- Manter o quarto o mais escuro possível durante o sono;
- Em áreas externas, reduzir iluminação desnecessária e usar lâmpadas com sensores de movimento.
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