O câncer já ultrapassou as doenças cardiovasculares como principal causa de morte em 670 municípios brasileiros, o equivalente a 12% das cidades do país. O dado foi apresentado durante o Fórum Big Data em Oncologia, realizado no Rio de Janeiro, e mostra uma mudança preocupante no perfil de mortalidade nacional.
De acordo com o Observatório de Oncologia, que analisou 26 anos de registros do Ministério da Saúde, o número de municípios onde o câncer é a principal causa de morte cresceu 30% em oito anos — saltando de 516 em 2015 para 670 em 2023.
Se a tendência continuar, o câncer deve se tornar a maior causa de morte no Brasil até 2029, segundo os pesquisadores.
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Câncer em Santa Catarina e no Sul puxa o aumento nacional
O avanço do câncer em Santa Catarina e nos demais estados do Sul é um dos principais fatores que puxam o crescimento no país.
A região concentra 310 dos 670 municípios onde os tumores já superaram as doenças cardíacas — quase metade do total.
O Rio Grande do Sul lidera o ranking nacional, com 168 cidades nessa situação. Em seguida, aparecem Santa Catarina e Paraná, que também apresentam altas taxas de mortalidade por câncer.
Segundo a pesquisadora Nina Melo, o cenário tem relação direta com fatores genéticos e ambientais:
“O Sul tem uma população majoritariamente caucasiana, mais suscetível ao câncer de pele, e também um uso mais intenso de agrotóxicos e exposição industrial”, explica.
Além disso, o envelhecimento da população e o melhor diagnóstico ampliam a detecção dos casos — o que aumenta o registro, mas também expõe desigualdades regionais.
Doença cresce nas pequenas cidades e chega ao interior
Quase metade dos municípios onde o câncer é hoje a principal causa de morte tem menos de 25 mil habitantes.
Isso mostra que a doença deixou de ser um problema das capitais e passou a atingir fortemente o interior.
“Em muitas cidades pequenas, o diagnóstico é tardio. As pessoas não têm acesso fácil a exames e, quando procuram ajuda, o câncer já está avançado”, destaca Nina.
A falta de hospitais especializados e a distância até centros oncológicos tornam o tratamento mais difícil — o que reduz as chances de cura.
Envelhecimento e desigualdade aumentam o desafio
O estudo mostra que 77% das mortes por câncer acontecem em pessoas com mais de 60 anos, e 56% dos casos são entre homens.
Os tipos mais letais continuam sendo pulmão, mama e próstata.
O oncologista Abraão Dornellas, do Hospital Albert Einstein, explica que o aumento está ligado ao envelhecimento da população e à falta de prevenção:
“O câncer é uma doença do envelhecimento celular. À medida que o país envelhece, o número de diagnósticos cresce. O problema é que o sistema ainda é lento, e muitos chegam ao tratamento tarde demais.”
No Norte e Nordeste, o câncer de colo do útero ainda é um dos que mais mata mulheres — mesmo sendo evitável com vacinação e exames de rotina.
Desafios no tratamento e falhas na Lei dos 60 Dias
Mesmo com a Lei dos 60 Dias, que garante o início do tratamento oncológico em até dois meses após o diagnóstico, muitos pacientes ainda enfrentam longas esperas.
“O SUS tem capacidade de curar muitos tipos de câncer, mas o gargalo é a demora. Quando o tratamento começa, o tumor já se espalhou”, diz Nina Melo.
Os especialistas alertam que o país precisa reforçar políticas de rastreamento e prevenção, além de ampliar o número de hospitais e equipes médicas especializadas.
Prevenção é o caminho
Com a expectativa de que o câncer se torne a principal causa de morte no Brasil até o fim da década, os pesquisadores reforçam a importância de investimentos em prevenção.
“Prevenir é mais eficaz — e mais barato — do que remediar”, afirma Dornellas. “Precisamos agir agora para não sobrecarregar o sistema de saúde.”







